Revista Nerd
quinta-feira, 4 de outubro de 2007
Santos e Demônios (A guide to recognizing your saints)
Dito Montiel é um sujeito de múltiplos talentos. Aos 37 anos, esse nova-iorquino, filho único de um nicaraguense que trabalhava consertando máquinas de escrever, vem se desdobrando, ao longo dos últimos 20 anos, em compositor, músico, escritor e cineasta, necessariamente nessa ordem, pois de acordo com o próprio, ele é, antes de tudo, um compositor de músicas, e é através dela que consegue manifestar todas as outras formas de se expressar. Uma dessas formas de expressão resultou no excelente filme, lançado em Setembro de 2006 (e que infelizmente não estreou por aqui, mas há rumores de que saia em Outubro) e baseado no livro homônimo de Montiel, lançado em 2003 e que prontamente virou best-seller nos EUA, no qual ele debutou como diretor e roteirista e teve o cantor Sting entre os produtores, e abocanhou prêmios nos festivais de Sundance e Veneza, além de várias indicações ao Independent Spirit Awards, sendo bastante elogiado pela crítica.

No filme, baseado em alguns capítulos do livro, Dito (Robert Downey Jr.), um escritor de sucesso que vive em Los Angeles, conta, de uma maneira belíssima e ao mesmo tempo melancólica, como foi a experiência de retornar ao violento bairro de Astoria, no Queens, após 15 anos de ausência, ao receber a notícia de que o pai estava seriamente doente, e reencontrar os poucos amigos de infância que não estavam mortos ou presos. A partir daí, o que vemos é uma verdadeira enxurrada de memórias da adolescência de Dito (representado por Shia Labeouf, que faz bonito também em papéis dramáticos, bem diferente dos tipos engraçadinhos que o tornaram conhecido pelo grande público nos recentes Transformers e Paranóia) na Nova Iorque de 1986, onde em meio a um verão escaldante e embalados por uma trilha sonora que vai de Kiss, com a ótima “New York Groove”, até “Don’t go breaking my heart”, com Elton John, são expostos todos os fatos que culminaram em sua “fuga” para a Califórnia. Somos então apresentados aos pais de Dito, Flori (Diane Wiest) e Monty (Chazz Palminteri), que são extremamente amorosos com o filho único, com quem mantêm um ótimo relacionamento; e aos “santos”: Laurie (Melonie Diaz/Rosario Dawson), a então namorada do rapaz; Antonio (Channing Tatum/Eric Roberts), o melhor amigo esquentado e ignorante de Dito, com quem volta e meia se desentende, mas que está sempre disposto a tudo para defender o amigo; Nerf (Peter Tambakis/Scott Campbell), Giuseppe (Adam Scarimbolo), o irmão meio maluco de Antonio, e as desbocadas Diane (Julia Garro) e Jenny (Eleonore Hendricks).

Um acerto de Montiel foi mostrar a interação com essa turma de uma maneira real, sem diálogos idealizados e sem querer tornar seus personagens mais interessantes ou inteligentes do que realmente são. Os diálogos são rasos, os papos são bobos, o vocabulário é limitado e todas as frases são permeadas por palavrões, até mesmo nas cenas mais românticas, em que no lugar do habitual “Eu amo você” ouvimos um “Eu quero transar com você”, mas que soa estranhamente sincero. São amigos que podem não acrescentar muita coisa de útil, mas com os quais se pode contar para qualquer coisa, dispostos a bater ou apanhar uns pelos outros antes mesmo de saber o motivo, e justamente por isso, Dito os chama de “santos”, já que se sente protegido de alguma forma, ao notar que é estranhamente poupado das coisas ruins. O elenco jovem masculino arrasa, com destaque para Shia Labeouf e Channing Tatum, que fazem da relação entre seus personagens um dos pontos altos do filme.

No entanto, tudo começa a mudar quando Dito conhece Mike O’Shea (Martin Compston), o novo colega de classe, um escocês de nome irlandês que sonha em ter uma banda de rock e cair na estrada, com quem Dito logo se identifica, já que pela primeira vez ele tem alguém com quem ter uma conversa mais “profunda” e logo os dois viram amigos e começam a fazer planos. Ao mesmo tempo, a violência crescente no bairro começa a assustar Dito, que começa a ficar desesperado com a idéia de ficar para sempre naquele lugar e viver uma vida medíocre. E é nesse ponto, quando Dito expõe suas intenções ao pai e aos amigos de se mudar, é que vemos o grau de carência dos personagens; todos tentam, de uma forma ou de outra, impedir o rapaz de ir embora, deixando-o entre duas opções nada atraentes, ou seja, a de ir embora e abandonar todos aqueles que ama, ou ficar ao lado deles e deixar seus sonhos de uma vida melhor para trás. Montiel usa o tempo todo flashbacks, e em alguns momentos a gente até se perde um pouco, até perceber que tantas idas e vindas são de propósito, e é aí que está talvez a grande beleza do filme: mesmo optando por ir embora, ele deixa bem claro que aquelas pessoas nunca deixaram de fazer parte de sua vida, e ao retornar para casa e ver que todos eles estão ali, e que são de carne e osso, causa em Dito uma sensação estranha, como se toda sua vida ao lado deles tivesse sido um sonho. No final, os espectadores mais otimistas podem achar que ele se detém demais nos personagens jovens e que poderia desenvolver mais os adultos, mas Montiel dispensa espertamente as reconciliações e as choradeiras, optando por mostrar que os personagens continuam sem saber expressar o amor que sentem um pelo outro, mas nem por isso deixam de tentar se entender.

Nota: 9,5

Virginia Santi
posted by Revista Nerd @ 12:54  
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